domingo, 24 de fevereiro de 2019

CARTA AO PAI QUE ESTÁ NO CÉU

Meu Heroi

Pai,

já vai fazer 22 anos que você foi embora e, cada vez que eu acho que a saudade vai diminuir, acontece alguma coisa e, “pimba!”, ela volta com tudo. Espero que você esteja podendo acompanhar, ao menos de quando em vez, as coisas que andam acontecendo com a gente e que isso não esteja te atrapalhando aí desse lado.

Você está bem? Espero que sim e espero que esteja olhando para esta situação da mesma forma que Gabriel e Maria Eduarda. Sei que os olhos da alma vêem diferente da forma que vêem os olhos do corpo e, por isso, me sinto à vontade para falar com você, agora, do jeito que deveria ter falado a vida inteira.

Cara, que humor “duca” você tinha. Quando uma criança (como você e eu fomos) ia entender que só a Mãe queria trazê-la para casa quando a achou na lata do lixo, mas o Pai não? Esse insight foi tão importante pra mim, mudou completamente TODO o sentido da minha infância e muito da minha visão sobre você e sobre como as coisas poderiam ter sido menos estressadas entre a gente.

“Se você fosse moleque, um dos dois já tava morto!”
Ahaha É, Pai, ainda bem que eu não era um moleque. Ou melhor, eu não era um moleque no sentido literal da palavra, né, afinal, nasci menina, mas fui levada e respondona – assim como todo bom e velho MOLEQUE =)

Me desculpa por eu não ter sido a princesa que você esperava e queria que eu fosse. Não tinha como, e eu sei e você sabe que eu me esforcei. Você viu na prova do vestido, você viu no baile de debutantes, você viu naquele aniversário na casa do tio Beto que você acabou não indo... e eu queria tanto ter ficado lá com você, ia ter sido tão mais legal! Você algum dia, nesta Terra ou nessa aí que você está, já parou pra pensar quantas oportunidades depois dessa a gente teve de ficar só nós dois conversando, nem que fosse pra dar quebra pau em algum momento? Não teve mais. A gente não teve mais nenhuma. E você me forçou a ir naquele aniversário.

Você também “meio” que me forçou a fazer Direito, né? Viu o estrago? *grinz* Já que não era pra ter feito Letras e ter ficado pobre por ser Professora de Português, pelo menos eu teria ficado pobre por terem acabado todos aqueles processos bons da Justiça do Trabalho por causa das decisões que aquele sapo sindicalista tomou em relação à NOSSA profissão. Fui mais Perita Contábil que Advogada em todos esses 20 anos. Viu? Viu? Viu? Porra, Pai! ¬ .¬ rs

Eu não sei como você e minha Mãe não perceberam ou não entenderam que, como você bem dizia, “eu fazia a guerra pra conseguir a paz”...eu nunca gostei de bate-boca (nem de audiência). Não é porque eu batia boca que eu gostava disso. Tinha gente que “pedia” ou me obrigava. Você sabe, Pai, você sabe. Agora, pensa: pra não precisar bater boca, eu tinha que ser ninja como você e seus amigos que fazem xixi no cavanhaque (bwahahaha aprendi a fazer deboche descaradamente depois que você se foi). Bem que eu queria, Pai. Seria bem útil agora cobrir de porrada uns certos genitores que estão espalhados pela região Sudeste do País. Tem nego que pede pra ser quebrado em quatro e que merece isso (e eu sei que você sabe disso melhor que eu e mesmo que desse lado aí você esteja vestindo túnica azul e calça reta confortável e tomando sopa com gosto de água todo dia, sabemos que do lado de cá, a coisa já teria sido resolvida de “jeitos mais resolutivos” se você estivesse aqui).

*respirando quadrado quatro vezes: inspira em quatro tempos, segura o ar em quatro tempos, solta em quatro tempos, segura sem ar por quatro tempos*

Fui comer um canto de dedo agora e vi a sua mão, não a minha (até isso, aff, hein, Paiê!)

Eu fico pensando se você estivesse aqui quando comprei o livro Adultos Índigo e, quando li a introdução pros Velhos, enquanto eu estava ali, tentando achar uma forma saudável de me comunicar com ela, ela “só teve olhos pra você”. E quando o texto acabou, o Vô percebendo tudo daquele jeito que você sabe e ela dizendo que eu não era como você porque “o Mário Luiz era tão bonzinho” (e eu sou tão ruinzinha ¬.¬ rs). O que você teria feito? Me conta por um sonho daqueles como o da pizza e do filhote de cocker inglês branco e laranja? Foi tão legal aquele sonho, senti você tão perto de mim e de um jeito que eu nunca tinha te visto.

Também fico pensando se você estivesse aqui quando assisti Doctor Strange e a série Sherlock, com o Benedict Cumberbatch... tenho 101% de certeza que você diria que o ator-galã estaria muito mais para o Alan Turing que para os dois “herois”, afinal... eu consigo te ouvir dentro da minha cabeça dizendo meio rindo que “esse cara é v*ado”, assim como você disse do Juquinha, do Wilson e teria dito dos que vieram depois que eu sei, porque essa é uma daquelas coisas legais que não mudaram antes e não teriam mudado agora.

Você sabe, né...que eu vou ter que conversar com o Vô e que nós precisamos falar sobre outro alemão que não é o Alzheimer, é o Asperger. Já imaginei um monte de reações que você poderia ter tido:

“Autista é o caralho.”
“Esse médico tá errado.”
“Vai tomar no cu.”
“Palmeiras não tem mundial, porra!”

Ou:
(rindo daquele jeito rouco “heheheee”, com o sorriso largo e chacoalhando os ombros)
“Agora tá tudo explicado!” (e continuaria rindo)

Eu, honestamente, gostaria que fosse do segundo jeito, do jeito leve, do jeito engraçado, do jeito de rir de si aos 70 anos e da cara da própria filha aos 42. Ia ser muito legal, Pai, fazer essa jornada ao teu lado, pelo tempo que fosse possível. Pensa: pelo menos aquela brincadeira besta da lata do lixo foi explicada, pelo menos todas as nossas brigas foram explicadas, pelo menos todos os seus períodos de isolamento e de cabular aulas pra jogar basquete e de ser manteiga derretida com passarinho machucado e de aguentar o Johnny dormindo em cima de você mesmo não gostando de gatos, de dar cambalhota e cair em pé pra buscar o Egeu fujão...

Ah, Pai, que merda! Por que você tinha que morrer antes da gente descobrir a razão de todas as coisas, das piadas que você fazia e ria sozinho (assim como acontece comigo), das relações de codependência e da porcaria de comportamento que a gente tem (você tinha, né rs) de se submeter ao que está ruim para não desagradar, não magoar ou não perder pessoas que, se pensar bem, talvez deveriam “ter se perdido sozinhas” no  tempo. Você ia ter paz. Eu ia ter paz. Minha mãe também. Essa hora a gente poderia estar morando em um sítio na praia e ter “fugido” de todos os estressores e gatilhos (era só desligar telefone e trancar o portão). *batting angel eyes*

Queria voltar no tempo. Queria ter tido mais tempo. Queria que a gente passasse por essa juntos, porque a gente ia acabar se entendendo e se dando bem de um jeito ou de outro. Sinto tanta tristeza de pensar que quando a gente conseguiu ficar amigos você se foi. E isso foi um saco, cara. Isso foi um saco. Está na cara que esta jornada é só minha.

O que você sentia? Eu ainda tenho os stims de estalar (o maxilar, não, dá medo de quebrar a cara no meio rs) E aquela tristeza no aniversário, hein? Faz uns anos que ela tá me rondando. Eu não gosto mais de comemorar (se tivesse motivo...quem sabe). Também não gosto mais de sair de casa (agora que você ia ficar feliz, né... imagina, a princesa-ogra enclausurada, que linda? – só faltava ficar verde, baixinha e gordinha e chamar “Feiona” rs) – e gosto menos ainda de ir em lugares “cheios” (como a casa dos Velhos com mais gente que eu e eles rs). Tudo estressa e eu sei como você estava se sentindo nos últimos tempos. Sei como era aquele cansaço e aquela vontade de ficar sozinho, no escuro e em silêncio, com os olhos fechados (aqui em casa nunca deu muito pra fazer isso, a não ser que você – ou eu – estivesse sozinho(a)).

Eu ainda não sei bem o que fazer com tudo o que está acontecendo, mas acredito que informar quem não sabe, ou sabe e tem preconceito, ou tem medo ou qualquer outra coisa negativa já é alguma coisa, e eu já estou fazendo, pelo menos até a hora que eu descobrir que cazzo eu vim fazer aqui (sim, toda essa bagunça me dá uma certa ideia, mas se você souber com certeza, manda recado ou mostra no sonho).

Você veio fora de hora, Pai. Você foi embora fora de hora. Você foi um dos caras mais fodas que eu já vi por esse mundo (talvez você perca para o Stephen Hawking e o Steve Jobs, mas ainda está acima do Ayrton Senna – não xinga!).

Eu vou sentir sua falta pra sempre e vou amar você pra sempre também. Agora todas as peças do quebra cabeça estão indo para os seus lugares sozinhas, então, acredito que Hans Asperger tenha vindo para libertar a gente (e o Vô).

Você sempre vai ser o meu heroi, o que me salvou de me afogar. Sempre vai ser O CARA (sem nenhum complexo de Electra, porque isso é nojento rs).

Espero que quando eu chegar aí a gente possa se encontrar, nem que seja na “portaria”.
Eu te amo, Pai. Até breve!

[Este texto não observa todas as regras gramaticais da norma culta do idioma. Beijinhos de luz.]

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