Bandeira Anarquista: "Anarquia e Ordem" |
Resolvi fazer este post para dirimir dúvidas acerca do "lado" que o Anarquismo se encontra. Muitos dizem que ele é de esquerda, levando em conta os ditos "anarquistas" da atualidade. Contudo, o Anarquismo não é de esquerda e aqueles que, hoje, se intitulam "anarquistas" e/ou "libertários", não são anarquistas, nem libertários.
Peço que, ao ler, tenham sempre em mente as seguintes premissas: "quanto mais esquerda, mais Estado; quanto mais direita, menos Estado" e "quanto mais Estado, mais esquerda e menos liberdade, quanto menos Estado, mais direita e mais liberdade".
A princípio, cumpre esclarecer que "anarquia" não é sinônimo de "baderna", de "bagunça", nem de "caos". Anarquia é um sistema social onde não existe Estado, nem governo, apenas. Contudo, conforme o símbolo utilizado para representá-la (imagem acima, o A inserido em um Ó), para que não exista Estado/governo, é necessário que exista ORDEM. Ordem, exatamente como aquela constante da bandeira do Brasil, sabe? Ordem, organização, respeito, responsabilidade. É o único meio em que uma anarquia consegue sobreviver: com ORDEM. Ou seja, mesmo não havendo um babaca ladrão "comandando" as coisas, existe ordem.
Em segundo lugar, deve-se delimitar o conceito de "libertário". Libertários são os adeptos do libertarianismo (e não do socialismo-libertário/anarco-comunismo de Bakunin). O libertarianismo prega, em linhas gerais, o seguinte: defesa da liberdade individual, da não-agressão, da propriedade privada e da supremacia do indivíduo, se aproximando muito mais do Anarcoindividualismo do que do Anarco-comunismo. São autores libertários: John Locke, Frédéric Bastiat, David Hume, Alexis de Tocqueville, Adam Smith, David Ricardo, Rose Wilder Lane, Lysander Spooner, Milton Friedman, David Friedman, Ayn Rand, Friedrich von Hayek, Ludwig von Mises e Murray Rothbard. (Bakunin não consta dessa lista.)
Sendo assim, os libertários que utilizam a bandeira vermelha e preta não são libertários. A bandeira, dividida ao meio em diagonal, com a parte superior em vermelho e a parte inferior em preto, representa o Anarco-comunismo ou Socialismo Libertário, teoria política desenvolvida principalmente por Piotr Kropotkin (Anarcossindicalista) e Mikhail Bakunin (Anarco-comunista), que prega, basicamente: abolição do Estado, do capitalismo, do trabalho assalariado e da propriedade privada (retendo assim a propriedade particular) e advoga a propriedade comum dos meios de produção, o execício da democracia direta e uma rede horizontal de associações voluntárias e conselhos operários (os famosos "soviets"), tudo para tentar "reconciliar" o indivíduo e a sociedade. Diferença básica entre Karl Marx (socialista autoritário) e Bakunin e Kropotkin (socialistas libertários) é a "ditadura do proletariado", contraposta pela "democracia direta", ambas obtidas através da "revolução pela força". Uma curiosidade: Bakunin previu que o "proletariado" (ditadores de Marx) se tornaria a "nova elite" dentro do Estado. Parece que, no caso Brasileiro, Bakunin acertou. Os socialistas libertários são chamados, indevidamente, de "anarco-coletivistas" (já que a sociedade se sobrepõe ao indivíduo). Isto porque, em uma "democracia direta" ainda serão estabelecidas leis/normas (imposições) determinadas por uma maioria sobre uma minoria, impedindo e/ou limitando ações conscienciosas e restringindo liberdades individuais.
Ou seja, de acordo com os dois parágrafos acima, resta provado que os "libertários" da esquerda não são adeptos do libertarianismo, mas do socialismo (marxista ou bakuninista).
Agora, vamos provar que os atuais auto-intitulados anarquistas também não são anarquistas e que o Anarquismo, como sistema social, é de direita.
Bandeira do Anarcopacifismo |
O Anarquismo é um conjunto de teorias, métodos e ações que visam a eliminação total de todas as formas de governo compulsório e de Estado, bem como de qualquer ordem hierárquica que não seja livremente aceita (ex: "uma autoridade legalmente constituída", que exerça poder sobre outros por força de lei é uma "ordem hierárquica" não aceita livremente, mas que deve ser aceita por imposição legal). A maioria dos anarquistas é apartidária, se opõe ao Estado e a qualquer regime ditatorial, apoiando a autodefesa e/ou a não-violência (Anarcopacifismo).
Dentro do Anarquismo, pode-se encontrar uma série de "vertentes", que acabam sempre por observar alguns "princípios gerais" originados do que se chama especificamente de "Anarquismo Individualista" ou "Anarcoindividualismo", os quais demonstram, claramente, a tendência direitista do Anarquismo, quais sejam:
- Concentra-se no indivíduo e sua vontade (estes se sobrepõem a instituições e sobre a coletividade).
- Pacífico (acredita que revoluções podem trazer novas modalidades de hierarquias que não as livremente aceitas).
- Revolução e evolução pela educação e pequenos atos cotidianos.
- Indivíduos livres podem se unir esporádica e temporariamente, de modo voluntário, para colaboração conjunta, não abandonando a defesa radical da liberdade individual ("associação espontânea").
- Defesa da propriedade
- Responsabilidade individual (do indivíduo para com sua vida, seu trabalho, sua família e suas próprias ações).
- Responsabilidade coletiva (do indivíduo para com a sociedade).
- Elevação de qualidades e habilidades individuais para realização do trabalho
São expoentes do Anarquismo ou Anarcoindividualismo: William Godwin, Henry David Thoreau, Josiah Warren, Lysander Spooner, Pierre Joseph Proudhon, Benjamin Tucker, Herbert Spencer, Max Stirner.
Sobre Godwin: foi o primeiro a estabelecer conceitos políticos e filosóficos anarquistas. É anti-Estado/Governo, mas acredita que o "Estado mínimo é um mal necessário" (pai do Anarco-capitalismo) e defende o direito de propriedade.
Sobre Lysander Spooner: defende que qualquer governo é uma associação de criminosos e vigaristas e também que toda legislação se opõe ao Direito Natural e é por isso criminal. Juridicamente, Spooner defendeu a "nulificação por júri" como uma garantia legal numa sociedade anarquista, onde o júri não só aplicaria a lei em cada caso, senão que julgaria a legitimidade mesma da lei que rege em cada caso. Para a economia, adotou o livre mercado de créditos, também inspirando o Libertarianismo e o Anarcocapitalismo.
Sobre o Anarcocapitalismo (ou Anarquismo da Propriedade Privada ou Anarquismo de Livre Mercado): é uma versão radical do Liberalismo Clássico e do Anarquismo Individualista. Tem como postulado que as formas de governo, principalmente estatais, são prejudiciais e desnecessárias, especialmente instituições as relacionadas a funções jurídicas e de segurança. Em assuntos econômicos, o Anarcocapitalismo defende o capitalismo como a forma de organização econômica mais eficiente e rejeita qualquer tipo de controle governamental, impostos ou regulamento e que um mercado competitivo pode fornecer serviços muito melhores que os fornecidos pelo governo/Estado.
Bandeira do Anarcocapitalismo |
Sobre Thoreau: abolicionista, ativista anti-impostos, autor do ensaio "Desobediência Civil" e precursor do Anarquismo Ecológico ou Eco-anarquismo. Afirma que "o melhor governo é o que nada governa", defendendo a propriedade privada e a construção de um patrimônio "necessário" como formas de liberdade. Thoreau estava mais inclinado a buscar "melhorias no governo" do que a "abolição do Estado".
Sobre a Desobediência Civil de Thoreau: é a base filosófica de libertários e anarquistas e deve ser exercida pacificamente, de modo a não se confundir com desacato. De acordo com o ideal de Thoreau, tudo o que se faz para buscar um governo melhor é uma forma de desobediência civil, inclusive a forma escolhida por ele, a sonegação de impostos, que o levou à prisão.
Sobre Herbert Spencer: foi um notável opositor de governos militares e autoritários, de qualquer forma de coletivismo, do colonialismo, do imperialismo e das guerras. Defende a primazia do indivíduo perante a sociedade e o Estado, e a natureza como fonte da verdade, incluindo a verdade moral. No campo pedagógico, Spencer fez campanha pelo ensino da ciência, combateu a interferência do Estado na educação e afirmou que o principal objetivo da escola era a construção do caráter. Seu pensamento enfatizou o auto-aperfeiçoamento do indivíduo. (ÍDOLO!! rs)
Bandeira do Ecoanarquismo |
Sobre Josiah Warren: para ele, não deve haver absolutamente nenhuma comunidade de bens; todos os bens devem ser individualizados e os que defendem qualquer tipo de comunismo de bens, interesses e responsabilidades estão condenados ao fracasso em virtude da individualidade das pessoas envolvidas. Warren é conhecido por expor a idéia de "soberania individual".
Sobre Proudhon: foi o primeiro a se declarar Anarquista e o principal crítico de Marx e do socialismo. Pregava a união de "proletários" e "burgueses", sendo chamado de "reacionário" pelos comunistas. Para Proudhon, o trabalho assalariado (capitalista) era uma posição VOLUNTÁRIA de subordinação e exploração, uma condição permanente de obediência. Contudo, defendia que "propriedade é a única força capaz de agir como um contrapeso ao Estado... para assegurar a liberdade do indivíduo" e também defendia o direito de herança como "uma das fundações da família e sociedade".
Sobre o mutualismo de Proudhon: tem se distinguido do socialismo de Estado, e não defendem o controle social sobre os meios de produção pelo uso da força. Benjamin Tucker disse de Proudhon que "embora contrário à socialização da propriedade de capital, o objetivo de Proudhon é socializar seus efeitos, tornando-o seu uso benéfico para todos, em vez de um meio de empobrecer a muitos e enriquecer poucos… submetendo o capital à lei natural da competição, levando o preço do seu próprio uso ao de custo." O mutualismo afirma que "volumes iguais de trabalho devem receber pagamento igual". A única centralização concebida neste modelo econômico, de livre mercado, seria a concepção de um "Banco do Povo" que seria responsável pela administração da circulação da produção e trocas de valores referentes ao trabalho. (Não gosto do mutualismo.)
Bandeira do Mutualismo |
Max Stirner: para ele, a realização pessoal de cada indivíduo se encontra no desejo de cada um em satisfazer seu egoísmo, seja por instinto, sem saber, sem vontade - ou conscientemente, plenamente a par de seus próprios interesses. A única diferença entre os dois egoístas é que o primeiro estará possesso por uma ideia vazia, ou um espanto, na esperança de que sua ideia o torne feliz, já o segundo, pelo contrário, será capaz de escolher livremente os meios de seu egoísmo e perceber-se enquanto fazendo tal. Somente quando o indivíduo percebe que lei, direito, moralidade, religião, etc., são nada mais que conceitos artificiais e não autoridades sagradas a serem obedecidas é que poderá agir livremente. A doutrina política de Stirner repudia a revolução e ridiculariza os movimentos sociais que atentam para a transformação do estado, tão-somente preocupados com o estabelecimento de um novo estado após a revolução. Defende, ao invés disso, um modelo único de auto-empoderamento e transformação social através da "união ativista" (associação espontânea temporária e voluntária, como se fosse um "sindicato de egoístas", no qual o egoísta se utilizaria de todos os recursos que possui na "luta de cada um contra todos") - apesar da definição e explicação deste conceito ser peculiar no trabalho de Stirner e não se assemelha ao trade-union (sindicato) socialista.
Descritos autores e algumas características do Anarquismo, pergunto: alguém que defende a extinção da propriedade, a sobreposição entre classes sociais, que não defende a família, que se organiza em forma de sindicatos e os defende, pode ser de direita? Pergunto novamente: alguém que defende o direito de propriedade, o direito de herança, a família, que eleva o indivíduo e suas habilidades à milésima potência, que prega responsabilidade perante si e perante a sociedade, que visa o amplo exercício das liberdades individuais, pode ser considerado de esquerda? Assim, vai por água abaixo a ideia de que Anarquismo é de esquerda. De acordo com uma das premissas que expus no início do texto, o Anarquismo é o extremo da extrema-direita e requer disciplina e responsabilidades muito maiores e um senso moral extremamente mais elevado do que qualquer "ditadura" de direita, seja ela militar ou não.
Quebra-se, também, a falsa visão que os socialistas-autoritários (marxistas), os socialistas-libertários (bakuininistas) e dos sindicalistas (que encaram os sindicatos mais ou menos da mesma forma tanto na visão autoritária quanto na visão "libertária") podem ser chamados ou confundidos com anarquistas.
Uma "regrinha" básica para se distinguir um anarquista de um vermelho qualquer é perguntar: "essa pessoa prega e enaltece as diferenças ou respeita as diferenças?". Os vermelhos vão sempre pregar diferenças e a segregação. Os anarquistas vão sempre entender e respeitar as diferenças e repudiar a segregação, independente de características individuais. Os vermelhos sempre tentarão diminuir alguém para que este se iguale a algo "pior", enquanto o anarquista vai sempre procurar coisas boas nas pessoas para que estas se igualem a algo "melhor". Vermelhos querem todos pobres. Anarquistas querem todos ricos. Vermelhos querem que "a cidade" se torne a periferia. Anarquistas quer que a periferia se torne "os Jardins" (ou o Leblon? rs). Vermelhos vão querer a extinção da religião, a negação de Deus. Anarquistas vão entender as diferentes filosofias e, a fim de manter o pacifismo, procurarão o melhor em cada uma, sem que necessariamente elas precisem se unificar ou anular uma à outra. Vermelhos invejam e maldizem, anarquistas admiram e se aperfeiçoam.
As diferenças entre Anarquistas e vermelhos são inúmeras e são IMENSAS. Existe algo maior que o Atlântico entre as duas linhas. Não é difícil perceber quando se encontra o Anarquista de verdade. Agora, se vocês forem procurar em páginas no Facebook (como anarcomiguxos ou qualquer coisa relacionada aos black blocs) ou em perfis de pessoas que se dizem "anarquistas" e "de esquerda", vocês só vão encontrar vermelhos. E, o pior, é que, seja por ignorância, seja por conveniência, nenhum deles se define como realmente é. Para saber "o que é", tem que ler. E muito. E ter paciência. Muita.
Mudando um pouquinho o enfoque: é possível aplicar o Anarquismo no nosso dia-a-dia. Vou dar alguns exemplos simples (e até bobos) que podem ser consideradas ações anarquistas:
Ações de responsabilidade coletiva
- Não jogar lixo no chão
- Ensinar pelo exemplo
- Enaltecer qualidades e habilidades individuais, sem deixar de mostrar pontos que podem ser melhorados (seja na personalidade, no convívio, no trabalho, etc)
- Educar os filhos ensinando-os a pensar/raciocinar/refletir sobre o que lhe é dito ou ensinado e questionar se houver dúvida, discordância ou falta de entendimento
- Fazer aos outros apenas o que deseja para si /Não fazer aos outros o que não deseja para si
- Respeito ao próximo
- Limitação voluntária da própria liberdade ("minha liberdade é sempre menor que a sua" - é uma ótima regra de convivência, que não exclui o direito à justa resposta em casos de ofensas, por exemplo)
Ações de responsabilidade individual
- Pontualidade
- Assiduidade
- Eficiência
- Aprimoramento moral
- Aprimoramento intelectual
- Cumprir deveres
- Ter ética
- Fazer sua parte independente do outro fazer ou não a dele
- Respeito aos próprios limites
- Autoconhecimento
Tem muito mais coisa, mas levei muito tempo pesquisando, pensando, escrevendo e chegou a hora de parar, tomar um café, fumar um cigarro e desejar que o texto seja proveitoso a quem o tiver lido. Desejo também para que, a partir de agora, quem o leu consiga entender que EU, quando falo de Anarquismo, falo do "verdadeiro" e que quando vocês lêem "anarquismo" por aí, as pessoas não estão falando da mesma coisa. Vermelhos não são, nem nunca serão anarquistas.
The end (kkkkkkkkk)