sexta-feira, 1 de março de 2019

"ASPERGER É ALGO MUITO SÉRIO"



Sério mesmo que Síndrome de Asperger é algo muito sério? 😒

Tenho amigos médicos. Que me lembre, pelo menos duas psiquiatras, dois radiologistas (se não me engano), uma ginecologista, uma neurologista e uma nefro (que faleceu ano passado). Isso sem contar psicólogos e fisioterapeutas.

Quando desconfiei que era Asperger, no início, até entender o que era, como era, porque era, como funcionava, o que fazia "em mim", etc, eu fiquei quieta a respeito disso. Fui pedir ajuda a duas psicólogas (uma prima e uma amiga), em meados de 2018 e, uma não soube o que fazer e deixou isso claro de cara; a outra, disse que sabia pra caramba sobre autismo e, de repente, não sabia mais nada, mas afirmou CATEGORICAMENTE que eu NÃO era Asperger (ela sabe tanto de autismo que esqueceu que autismo não tem cara).

Depois disso, em meus dois perfis do Facebook, PEDI ABERTA E PUBLICAMENTE indicações de profissionais que pudessem avaliar/diagnosticar UM ADULTO. Nada. Nem meus amigos médicos indicaram ninguém, nem nada. Entrei em contato com o CAPS Itapeva: "não atendemos casos como o seu". Perguntei na UBS: "você não vai encontrar profissionais capacitados para te atender no SUS, talvez na UNIFESP.". UNIFESP, USP: só atendem crianças. Pensei: "ah, vou tentar a clínica da Psicologia do Mackenzie, vai que dá certo?" Deu. Eles têm um Laboratório de Autismo que atende todas as idades, gratuitamente, MAS TEM UMA FILA DE ESPERA DE 2 ANOS. Me inscrevi, óbvio.

E nesse meio tempo, pesquisa vai, pesquisa vem. Aspeger, Kanner, Autismo Clássico, Autismo Leve, de Alto Funcionamento, o que é igual, o que é diferente, por que nas mulheres não aparece, por que nos adultos não é diagnosticado, o que faz confundirem com TAB, Borderline ou qualquer outra dessas coisas que todo mundo considera "doenças de gente louca" (e não são), autistas podem ser superdotados ou não, superdotados podem ser autistas ou não, qual a diferença entre o Sherlock do Cumberbatch e eu, a diferença entre o Dr Estranho e eu, a diferença entre o Sheldon e eu e centenas de outras perguntas que passaram e ainda passam pela minha cabeça, cada vez que eu vejo uma merda sendo falada  por um neurotípico ou por um TDAH, seja ele médico ou advogado (ou não).

A minha sorte é que minha filha também é curiosa para coisas estranhas e ela ficou bastante tempo vendo vídeos e lendo sobre distúrbios de personalidade. Ficou muito claro e óbvio, para mim (e para ela e até para a minha Psicóloga, que é TDA sem H e maravilhosa e que eu dei a sorte de encontrar no SUS), que eu não tenho TAB, nem Borderline, nem Esquizofrenia ou outras dessas disfunções que eram confundidas com autismo em seus vários graus.

Com tudo isso, resolvi procurar, a conselho de uma senhora gaúcha (psicóloga), uma neuropsicóloga. Descobri que a avaliação é cara (kkkk). Passei por ela e fui "diagnosticada" com Superdotação e depressão leve. Por que não o Asperger? De acordo com ELA (e a maioria dos médicos do SUS e dos não-especialistas em autismo), porque:

a) o stim de "balançar e repetir" que eu tive aos 6 anos, no ápice do medo (o segundo, tendo sido o primeiro o dia em que quase me afoguei) foi só uma "crise de abstinência" pela falta do remédio que o neuropediatra tinha receitado e eu tomava para "controlar minha atividade cerebral" (leia-se: me deixar dopada e mansa dos 4 aos 6 anos de idade);

b) porque o prejuízo nas minhas "interações sociais" começou "só aos 4", depois da idade que o DSM-V determina como limite (3 anos) para o diagnóstico dos 3 tipos de autismos que cataloga (leve, moderado, severo);

c) porque eu sou superdotada e SD e SA têm características semelhantes e a SD exclui a SA (oi?!?!?!?!... é, ela me disse isso...rs)

Cheguei em casa, li o laudo e não entendi nada. Entrei na internet, procurei textos sobre SD e SA e achei 2 grupos no Facebook (um de superdotados e outro de dupla excepcionalidade, ou seja, autistas superdotados). Comecei a aprender várias coisas "práticas", mais sobre os aspergers que sobre os superdotados.

No caso dos Superdotados, todo mundo acha que a gente tem "super poderes", "super conhecimentos", que "podemos tudo" e que se não conquistamos coisas é porque não nos esforçamos ou coisa assim, ficam inconformados do mundo estar cheio de SDs desempregados, pobres e anônimos e acham que essa informação é falsa rs. No caso dos Aspergers, todo mundo acha que somos (de modo bem resumido) "mimados, birrentos e anti-sociais". A única verdade disso é que somos anti-sociais, até mesmo entre nós.

Aprendi que a superdotação mascara sintomas da síndrome, principalmente na mulher. Aliás, a síndrome se mascara "por si" na mulher, por conta do tipo de educação que mulheres e homens costumam receber (elas mais recatadas, eles mais arteiros... e isso retrai ou libera sintomas). Aprendi que há muito mais mulheres adultas portadoras da síndrome de Asperger do que o mundo acredita ou percebe. E que há muito mais Aspergers adultos sem diagnóstico do que os fanáticos pelo DSM-V admitem ou querem enxergar.

No grupo de dupla excepcionalidade aprendi que as mães neurotípicas sofrem pra caramba e que os filhos aspergers também. Descobri que mães que são aspergers sofrem pra caramba e que seus filhos, aspergers ou não, são "menos pressionados". Descobri que tem mãe neurotípica que fica procurando cura para o autismo, culpando as vacinas pelo autismo dos filhos, que não se conformam dos filhos serem assim... como se elas fossem vítimas de algum tipo de relacionamento abusivo. Descobri que o que sinto por elas é muita raiva e zero respeito. Sabem por quê? Porque autismo (seja Kanner, seja Asperger) NÃO É DOENÇA. E o que não é doença não tem cura (leia mais aqui).

Depois que fui na neuropsicóloga e entrei no grupo de D.E., me disseram para ir a um psiquiatra especialista em autismo, porque é o profissional mais indicado para esse diagnóstico em adultos. Pedi indicações novamente pelo Facebook. De todos os amigos e de todos os amigos-médicos, quem se manifestou? As psiquiatras? NÃO. A radiologista que, por coincidência, tem uma filha de 14 anos, asperger.

Conversamos MUITO. Falamos sobre a síndrome, falamos sobre a filha dela, sobre mim, sobre remédios, como os remédios funcionam num cérebro neurotípico e no nosso (neurodiverso), e muitas outras coisas. Nesses dias, eu já tinha feito o Aspie Quiz três vezes (entre maio/2018 e jan/2019) que tinha sido indicado por um psiquiatra no grupo de dupla excepcionalidade, pra "ter certeza" do que estava lendo no relatório do quiz e já tinha lido, relido, marcado e remarcado MUITAS características minhas na Lista da Samantha Craft e na Lista de Características da Mulher Asperger Adulta . Ambas as listas ficaram 98% coloridas com marca-texto. Pedi para minha mãe revisar e as listas viraram um carnaval (a cor da minha caneta era diferente da caneta da minha mãe, pra facilitar a comparação).

"Todo mundo" achava que eu era aspie. Eu, minha mãe, minha amiga, minha psicóloga, meu clínico geral, minha ginecologista achávamos que eu tinha Síndrome de Asperger... menos a neuropsicóloga e a ex-amiga psicóloga que "sabia bem" sobre autismo.

No final de janeiro, fui num psiquiatra especialista. Entrei na sala, contei a história da forma mais resumida e objetiva possível, porque eu não aguento mais repetir essa merda (diagnóstico de TAG em 2010, diagnóstico de TAB em 2012, remédios não fazendo efeito, alergia a antidepressivo, hiper-sensibilidade a ansiolíticos e anestésicos, anorexia umas várias vezes desde a adolescência até os 35, não suportar barulho, luz e cheiros, passando pela questão de idade, dos focos irritativos no cérebro na primeira infância, toda a peregrinação atrás do entendimento do que era o Asperger e outros detalhes menos importantes). Quando eu terminei, avisei que tinha terminado e respirei fundo, ele deu uma risadinha e disse "vi que você é Asperger quando passou pela porta, nem precisava ter contado a história toda" (mentira, ele já tinha ido me encarar na sala de espera e eu já não tinha conseguido encará-lo de volta - paquerar na balada era mais fácil haha). Ele não me aplicou testes porque eu fui com "os testes prontos". A consulta que era pra levar uma hora e meia levou uns 20 minutos. Então, realmente, autismo não tem cara, mas Asperger tem "jeitão" (que eu ainda não descobri direito todo o padrão, mas compilarei as características desse "jeitão aspie" em breve 😀).

De janeiro para cá, tirando a amiga-médica-mãedeaspie, nenhum amigo falou nada. Tá todo mundo com o cu na mão de me ofender, só pode! 😂😂😂😂😂 Gente, eu só tenho uma sindromezinha de nada ahahaha.

Eu não gosto do termo autista, que significa voltado para dentro de si mesmo, porque ele carrega um estigma muito triste e pesado, direcionado à síndrome de Kanner no seu estado mais grave, que é a pessoa que não fala, não anda, não aprende, que se machuca e machuca os outros, que não consegue se expressar de outra forma, como naquela propaganda do Governo Federal, nos anos 80 ou 90, que tinha a sombra de um menino sentado, sozinho, numa cadeira, contando os dedos e se balançando para trás e para frente. A imagem dele era desoladora e a forma como ela foi transmitida (escura, como se ele estivesse abandonado num quarto de hospital) era muito angustiante. Eu via aquela propaganda e dava graças a Deus de não ser autista. Eu cresci vendo o autismo como algo ruim, porque as pessoas eram consideradas "bobas", "retardadas", "deficientes", "incapazes" e diversos outros termos "capacitistas" (palavra que estou incorporando ao meu vocabulário, a contra-gosto e apenas como meio de defesa). Eu nunca vou gostar do termo "autista". É feio. É triste. É solitário. Eu prefiro a palavra "síndrome" seguida do nome do cara que a "descobriu". Então, raramente vocês me verão dizendo que "sou autista". Vocês me verão dizendo que sou "Asperger" ou "aspie" ou "superdotada nerd" rs.

Mas, voltando ao assunto...
Ninguém fala nada. Ninguém indicou ninguém quando eu perguntei (exceto pela Adri). E, as outras vezes que uma outra amiga médica se manifestou, foi uma das psiquiatras, que insinuou, implicitamente, que eu não tinha asperger, que o diagnóstico estava errado, que fui diagnosticada porque está na moda e que "Asperger é algo muito sério". Ah, vá! Puta que pariu, minha filha, você vem dizer PARA MIM que Asperger é algo muito sério?!?!?!

Aspergers, em geral, não tem retardo. Ou será que o DSM-V também restringe o QI do autista leve/de alto funcionamento? Talvez se deixassem tudo como era no DSM-IV, as coisas estariam sendo muito mais tranquilas para os Aspergers, principalmente os adultos que são diagnosticados tardiamente e, durante anos, tinham sido diagnosticados com coisas que "não se encaixam" com nada do que eles sentem e/ou conseguem expressar. O DSM-V é uma merda e o CID-11 vai ser outra.

Eu já vi gente dizendo que era autista severo e passou a autista leve porque teve os estímulos corretos. Já vi gente dizendo que autistas leves e aspergers são "coisas diferentes" e que um autista leve pode nunca ser asperger, mas que um asperger sempre será um autista leve.

DECIDAM-SE, PORRA! E tomem vergonha na cara. Se querem contestar um diagnóstico, procurem o colega que o deu e conteste cara a cara, como colega de profissão, MAS NÃO FIQUEM FALANDO MERDA PRA PESSOAS QUE ESTÃO TENTANDO SE TRATAR. Ou então, toma a dianteira quando alguém pedir uma indicação e realize a avaliação. Ou então, pare de achar que só porque é asperger é retardado ou burro.

Esse tipo de coisa, vindo de "réles mortais", OK. Mas vindo de MÉDICO!?!??! É de cair o furico da poupança. Médicos tenham a decência de deixar a gente FORA DA FOGUEIRA DAS VAIDADES DE VOCÊS. Quando alguém pedir ajuda, AJUDEM, caramba, em vez de ficarem contestando tudo, sem explicar NADA do que falam.

Fim.

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