sábado, 8 de setembro de 2018

NUDES DA ALMA


Por muitos anos, imaginei como falaria certas coisas para certas pessoas. Algumas vezes, o que vinha à mente "depois" era silêncio. Outras vezes, era um monte de lamúrias, repetindo o que meu avô me disse uma vez "você é cruel". Não, eu não sou cruel. Posso ter atitudes ou dizer palavras que, para quem está "de fora", pareçam cruéis, mas a crueldade não faz parte da minha essência.

Mês passado, diferentemente dos outros anos, apesar de ter passado mais rápido que o de costume, foi extremamente estressante para mim. No post anterior, citei uma coisa que minha filha me disse ("você se culpa por tudo, até pelo que você não tem culpa") e isso tem funcionado como uma "mola propulsora" para meu auto-conhecimento.

Dizem que quem vive de passado é museu, mas o passado é a melhor escola nesse caminho que tomei: observá-lo para não repeti-lo, olhar para ele com um enfoque diferente do anteriormente utilizado, aprender "lições subliminares" e ter insights sobre o que acontecimentos bobos, em tese, geraram como resultado ou consequência.

"Sua visão tornar-se-á clara apenas quando você puder olhar para dentro de seu próprio coração. Quem olha para fora, sonha; quem olha para dentro, desperta." (Carl Jung)

Esse processo de "despertar" não é simples, mas não é mau. Há alguns micro-despertares que podem trazer, de imediato, alguma emoção negativa (pesar, decepção, tristeza, mágoa, raiva, etc) mas, em curtíssimo período de tempo, você consegue aceitar o fato de estar se sentindo dessa forma e sua visão "torna-se clara", dissipando a emoção negativa e trazendo uma sensação de paz interior e de espanto, do tipo "nossa, era isso e eu não percebi".

Esse meu processo, revendo minha própria história, começou em 2004, teve algumas interrupções e, de 2016 para cá, está acontecendo a todo vapor. Nesses 14 anos, completos agora em agosto (coincidência?), tomei vários chacoalhões da vida: no início, eu só chorava e me culpava por ter "sido burra" 😒; depois, passei a sentir raiva - só a partir de 2016 comecei a aceitar que sentia raiva... e tudo ficou mais "leve"; atualmente, estou na fase do "espanto" e, mesmo que eu não goste de algum insight, a sensação interior é de sorrir para mim mesma, de satisfação. É MUITO bom se sentir em paz com praticamente tudo o que te acontece.

Notem: foram 12 anos para conseguir aceitar minhas emoções e 2 para me sentir tranquila em relação a elas.

Desde quando eu tinha uns 4 anos de idade, sempre fui muito cobrada (com o passado, aprendi que meu Pai também foi e que "ser cobrado", da forma como fomos, fez mal para ambos - e para meu tio e minha mãe). O tipo de "cobrança" que a gente sofreu é a típica cobrança do filho único (ou filho  mais velho): os pais são sempre mais exigentes com o primeiro filho, porque o medo de errar é muito maior quando somos marinheiros de primeira viagem.

Quando a gente tem um filho (ou neto), queremos que ele seja perfeito (saúde), inteligente, esperto, íntegro, honesto, culto, elegante e bem-educado, etc (os valores variam de pais para pais, no meu caso, são os que escrevi). Agora falando como neta, os valores que aprendi com a família, se tornaram problemas para alguns dentro da própria família.

Ouvi, algumas vezes, que "família é pai, mãe, avós e tios, os demais são parentes". Meu Pai era mais radical: "família é pai, mãe e filhos que moram na mesma casa, o resto é parente".

Quando pequena, a pessoa que me deu a primeira definição de família me contou inúmeras vezes a história da raposa ladra indo roubar as uvas do fazendeiro. Eu amava ouvir a história porque a raposa desonesta se ferrava. De repente (e foi de repente MESMO), a raposa passou a ser a "coitadinha que não tinha nada" e o fazendeiro tinha que "parar de ser egoísta, ser bonzinho e dividir o que era dele".

Levei 37 anos para perceber que EU ERA O FAZENDEIRO NA SEGUNDA HISTÓRIA. Ouvi, por 4 anos, a bendita história da raposa na primeira versão. Fui ensinada a ser honesta com essa história, que roubar era errado e que o fazendeiro tinha o direito de botar a raposa para correr. Do nada, a história passa a ser contada na segunda versão, sem qualquer explicação, e eu sabia que a história estava sendo alterada, mas não sabia o porquê, até que a contadora de estórias me comparou com o fazendeiro, dizendo que eu era egoísta, porque eu estava me sentindo mal de estar sendo obrigada a "dividir o que era meu", que eu era má porque "não tinha pena de uma raposa coitadinha que não tinha nada" (eu só tive um pai e 4 avós: a coitada era eu, dividindo o que era meu em 2 e dobrando o que era da raposa 😋).

Desse dia em diante, o "estigma" de fazendeiro da segunda história nunca mais me abandonou. "Comunizaram" minha família a partir dos anos 80 e meus bens materiais a partir da morte do meu Pai... sim, socialismo para o fazendeiro, capitalismo para a raposa. Lei da (minha) vida.

Essa é minha ferida não cicatrizada e que alterou COMPLETAMENTE minha vida, como indivíduo e como parte (???) da família, assim como minha missão. Entendo que a "culpa" de ter sido comparada ao fazendeiro egoísta não era minha. Aliás, eu nem era o fazendeiro egoísta, era só uma criança que os adultos ferraram com a cabeça aos 4 anos de idade (e depois passaram uma vida reclamando que eu era nervosa, gênio ruim, cruel e "malvadona" haha). Onde só existia amor, plantaram um monte de sentimentos e emoções ruins que eu preferia não ter conhecido nem através dessa situação, nem nunca.

Hoje, entendo o porquê do meu Tio morar sempre "longe" e ir pouco na casa dos meus avós quando eu era criança. Fui ingênua. Deveria ter parado de ouvir minha Avó (pedindo toda hora para ele ir lá) e ter seguido meu coração, viu. Talvez a situação fosse um pouco diferente.

(A partir daqui, para ressurreicionistas, ateístas e céticos, o texto não vai mais fazer sentido, mas, dane-se, eu escrevo porque gosto, para mim mesma e para quem tiver vontade de ler, não para agradar ninguém, ok? 💋)

Essa 'nude da alma' era o introito para chegar onde queria: a raposa e a divisão de uvas nunca foi parte do meu karma/missão. Eu não tinha e continuo não tendo karma com ela. Assim como não tinha (e não tenho) karma com mais duas pessoas da família, que chegaram a nós através do meu tio.

Fico em dúvida se "saber das coisas" é uma bênção ou um castigo.

Eu SEI que, quando eu morrer, imaginando o "lado de lá" como André Luiz descreveu em Nosso Lar, vou viver "na mesma casa" que meu Pai, meu Tio, meus Avós paternos, minha Filha e mais duas Crianças. Sei que meus Nonnos, meu Padrinho, minha Mãe e pelo menos mais uma prima e uma tia dela são de uma mesma família, bem próxima da minha.

Eu SEI que as três pessoas próximas do meu Tio e mais uma são parte de um outro núcleo familiar, não muito próximo do meu e que meu Tio se propôs a ajudá-las. Três espíritos que precisavam de ajuda e meu Tio tomou a responsabilidade. Que karma/missão!

Fazendo parte da mesma família (nesta vida aqui, que estamos vivendo), obviamente, tive/tenho minha quota de auxílio a prestar. É assim porque ninguém evolui sozinho. MAS, eu não tenho que pegar o karma de outras pessoas para mim. Não tenho que sofrer as consequências dos karmas das outras pessoas, não tenho que me sentir culpada por coisas relativas aos karmas de outras pessoas que eu não tenha influenciado ou participado. Do jeito certo ou não, da melhor maneira ou não, fiz o que pude enquanto era criança e adolescente.

Com o tempo, aprendi que precisamos tomar decisões importantes e uma que eu tomei, pouco tempo depois que minha filha nasceu, é: em nome da minha paz de espírito e da minha saúde física, mental e emocional, abro mão de conviver com pessoas que amo para não ter que conviver com pessoas que detesto. Voltei atrás nessa decisão em 2012, não deu certo. Foi a última vez  que eu "dei uma chance" (para a raposa, para as uvas e para mim mesma, o fazendeiro).

Agora é definitivo: Tio, eu não quero mais auxiliar você com o seu karma/missão.

Tudo isso sempre foi pesado para mim, ver os Velhos enaltecendo "estranhos" em detrimento de pessoas "da família", sendo forçada a sentir coisas que eu não sentia, tomando bronca por expor as mentiras de outras pessoas, etc. Fiz o melhor que pude (isso não significa que tenha sido certo, justo ou "o melhor" efetivamente). Eu também tenho minhas limitações e, mesmo que ninguém mais as respeite, eu aprendi a respeitá-las, a me respeitar. Levou tempo para eu perceber que eu também sou humana, que eu também posso errar, que eu também posso não gostar, que posso me magoar, me afastar e que eu e todos os personagens dessa história têm que fazer o mesmo esforço que eu para se aproximarem ou se afastarem, para ligarem ou mandarem uma mensagem no Facebook ou no Whatsapp... e levou tempo para eu me tocar, também, que eu não tenho culpa pela "inércia" alheia.

Minha responsabilidade está nas minhas escolhas, apenas. E com as consequências disso, eu arco, mesmo se desagradáveis. "Abro mão" das uvas para manter minha paz. Inclusive porque as uvas são mais doces "do outro lado". Eu não tenho pressa e nem a necessidade de TER "tudo" nesta vida. Status e "acumulação" (de coisas e pessoas) não vão me acompanhar na vida além da vida.

Hoje, vai ter "festa" do aniversário de 95 anos do meu Avô. Eu não vou (sozinha), por escolha (minha filha está com catapora e eu não quero matar meus avós). Ser responsável é chato, mas me livra de um monte de dessabores rs.

Finito.
Post scriptum: na minha cabeça o texto parecia mais "suave" haha

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